Diálogo


- A religião é o diálogo que cada um mantém entre si
e o que dentro guardou do melhor que obteve do exterior.
Tem que ser um diálogo que procure conseguir.
- Conseguir o quê?
- Salvar-se.
- Salvar-se de quê?
- De nada... de tudo... salvar-SE.
- Hmmm... e onde é que entram os outros?
- Os outros? Bem, os outros entram em todo o lado.
Às vezes queremos salvar-nos deles
outras vezes queremos que nos salvem.
- É claro que nós nunca os queremos salvar a ELES?
- Há quem consiga.
- Quem consiga o quê?
- Salvar-se assim.
- Salvar-se a si salvando outros? Estás a falar de cristianismo, então?
- Talvez...
- Começaste por falar de religião. Pensei que fosse uma coisa mais generalista.
- Tu é que falaste de salvar os outros.
- Pois foi. A religião é mais individual.
- Mas não apenas. As cerimónias religiosas,
pelo menos tradicionalmente, eram comunitárias.
Mas isso é o que de exterior existe na religião e pode
ser absorvido de muitas formas. Mas depois a religião
só se concretiza no interior de cada um. A religião é reflexão com um intuito.
- E se for reflexão sem intuito?
- Isso são devaneios.
- Oh.

intervalo em que ambas as personagens se entretêm a olhar para fora da janela, uma delas brinca com o cabelo, enrolando-o na mão e a outra raspa uma pequena nódoa seca que ficou na mesa de pinho envernizada, depois, calmamente, quem disse "Oh." volta a falar

- Posso reflectir com o intuito de conseguir entrar num espectáculo sem pagar.
- Isso não é reflectir, é engendrar.
- Oh.
- Mas tens razão. Ainda não é bem isto.

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